A história da industrialização é marcada por ondas, embaladas por avanços tecnológicos e mudanças socioeconômicas. A primeira onda foi filha do século XVIII, com o início da mecanização. A segunda onda tomou forma no século XIX, com a introdução da energia elétrica e do sistema de produção em série.
A terceira onda chegou no fim do século XX, com a disseminação da eletrônica e da automação. A quarta onda é aqui e agora, com o que experts (e espertos) denominam de fusão entre o mundo físico e o mundo virtual.
A nova onda foi prontamente abraçada por grandes empresas de consultoria. McKinsey, BCG, PWC e Deloitte já usam sua retórica sedutora-ameaçadora usual para empacotar conceitos e supostamente ajudar executivos e empresas na difícil transição. Descontados a pirotecnia e o abuso do jargão, há, no fundo, questões relevantes a considerar.
O termo (e slogan) indústria 4.0 surgiu na Alemanha, como resposta de política industrial desse país altamente industrializado à ameaça concorrencial da China. Refere-se à reorganização dos processos industriais com base em alta tecnologia e em subsistemas que se comunicam de forma autônoma entre si ao longo de toda a cadeia produtiva.
Digitalizar uma cadeia produtiva significa investir em automação e comunicação e criar um espelho virtual do mundo real, fazendo com que os vários subsistemas se comuniquem entre si e otimizem todo o ciclo produtivo. O modelo foi disseminado em um artigo de Jeffrey F. Rayport e John J. Sviokla, publicado na Harvard Business Review, em 1995.
Explorar a cadeia virtual pode gerar ganhos substantivos em termos de redução de ciclos, produtividade e racionalização de recursos. As mudanças tecnológicas envolvem robótica, redes de comunicação, processamento maciço de dados e uso de algoritmos sofisticados para apoio à tomada de decisão. Nada disso é novo, mas o barateamento dos recursos chegou a tal ponto que começa a viabilizar aplicações.
O relatório de um grupo de estudos comissionado pelo Parlamento Europeu, veiculado em 2016, reconhece que a nova onda implica mudanças substantivas na tecnologia e nos modelos de negócios, podendo impactar empresas de todos os portes.
A nova onda demanda também mudanças nas relações entre os agentes que compõem as cadeias produtivas, as quais nem sempre são amigáveis. A operação em rede exige que os elos – fornecedores, fabricantes, distribuidores e varejistas – operem de forma integrada. Confiança e cooperação são, portanto, essenciais.
O impacto sobre o trabalho pode também ser substantivo. A digitalização exige mão de obra qualificada. O aumento da produtividade com frequência leva à redução dos quadros operacionais. Por outro lado, a otimização da cadeia produtiva tende a reduzir o consumo e o desperdício de recursos, contribuindo para a sustentabilidade. O aumento da competitividade tende a gerar riqueza para a sociedade em geral.
O movimento afeta diferentemente empresas grandes, médias e pequenas. As empresas grandes têm maior capacidade de investimento e maior acesso à tecnologia, mas sofrem, frequentemente, com a inércia gerada pela mentalidade e processos existentes. O sucesso no passado leva constantemente ao fracasso no futuro. As empresas médias e pequenas sofrem com a falta de recursos, mas costumam ter maior liberdade e necessidade para testar novos conceitos e ideias.
Qualquer que seja o porte, a criação de um modelo sólido de negócios é essencial e deve anteceder qualquer decisão de investimento em tecnologia. Ondas de mudanças costumam deslocar os centros de poder nas cadeias produtivas.
Posições antes dominantes, que no passado permitiam gerar lucros invejáveis e prosperar, podem desaparecer. O ocorrido nas últimas décadas em diversos setores serve de alerta para aqueles que ainda não foram atingidos, e que sentem a ameaça de se tornarem a bola da vez. Nem banqueiros escapam.
A transição para o maravilhoso (ou não tão maravilhoso) mundo digital não é trivial. É preciso mudar tecnologia, estratégia, processos, práticas e pessoas. Os quadros profissionais, da média gestão aos operários, nem sempre bem informados e frequentemente mal alinhados, podem resistir, passiva ou ativamente, ao movimento. O risco de não embarcar tende a ser maior do que o risco de embarcar.