Sem obter consenso junto ao BNDES quanto ao modelo de concessão do serviço de saneamento básico, o governo do Estado do Rio bateu o martelo e decidiu tocar seu projeto mesmo sem apoio do banco. O modelo do governo fluminense prevê conceder o serviço de coleta e tratamento de esgoto em 11 municípios da Região Metropolitana — excluindo a capital — em três lotes, totalizando investimentos de R$ 6,9 bilhões em 30 anos. A expectativa é que o edital do primeiro lote esteja na rua no início do ano que vem.
Para especialistas, esse modelo tem atratividade econômica, uma vez que as cidades são densamente povoadas e há forte demanda pelo serviço. Eles alertam, porém, que há mais riscos para o investidor privado que no modelo proposto pelo BNDES, que prevê a concessão tanto do esgoto como da água nas 64 cidades hoje atendidas pela Cedae.
O receio, dizem, é que problemas no abastecimento de água — sobre os quais o investidor não terá qualquer controle — possam comprometer a receita do concessionário, uma vez que a cobrança do serviço de esgoto está atrelada à da água. Do ponto de vista do cliente, há dúvidas quanto à qualidade do atendimento, pois queixas sobre fornecimento intermitente de água pela Cedae são recorrentes entre moradores da Baixada Fluminense.
CONCESSIONÁRIO TERÁ DE GERIR PERDAS DE ÁGUA
A Cedae reconhece que podem ocorrer “eventuais flutuações no sistema” de água na Baixada e orienta os consumidores da região a manter reservatórios de água. Para solucionar o problema, executa obras para garantir a universalização do serviço em até três anos. É projeto de R$ 3,4 bilhões. Já em esgoto, a Cedae aponta o projeto do governo do Rio para alcançar a universalização.
No modelo de concessão do governo, o operador privado será responsável pela gestão comercial do fornecimento de água (cobrança) e por gerir perdas de água, como consertar vazamentos e combater “gatos”. Mas a captação e a distribuição de água continuarão com a Cedae. Segundo a estatal, o índice de abastecimento de água nos 64 municípios que atende é de 93%. Já o de tratamento de esgoto é de apenas 30,7%, de acordo com o Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (Snis).
— No modelo do BNDES, o operador controla toda a cadeia de valor. Isso dá a ele mais previsibilidade na operação. Além disso, a experiência tem mostrado que a regulação é mais efetiva sobre os entes privados, pois os contratos são mais bem desenhados, permitindo a verificação de cumprimento de metas e punições em caso de descumprimento — avalia o economista Rafael Martins de Souza, pesquisador do Centro de Estudos em Regulação e Infraestrutura da Fundação Getulio Vargas (FGV).
Hamilton Amadeo, presidente da empresa de saneamento Aegea, considera o serviço privado mais ágil em resultados, mas ressalta que “não se trata de uma decisão puramente técnica”:
— A concessão pode começar apenas pelo esgoto e, futuramente, ser convertida em uma concessão plena.
Dar ao concessionário a responsabilidade de gerir as perdas de água, diz Amadeo, é uma estratégia inteligente, pois elevará o faturamento tanto da Cedae quanto do grupo privado responsável, além de ampliar o volume de água entregue aos consumidores. Dos 64 municípios em que atua, em 33 a Cedae opera só nos serviços de água.
No Estado do Rio, o saneamento é privado em 18 dos 92 municípios, com diferentes modelos de concessão. A proposta do governo para a Cedae reproduz aquele usado na chamada Área de Planejamento 5 (AP 5), que compreende 21 bairros da Zona Oeste, entre eles Bangu e Campo Grande. A empresa responsável é a Foz Águas 5. Já o modelo do BNDES se inspira no adotado em Niterói, onde atua a Águas do Brasil.
Para a engenheira sanitarista Irene Altafin, também da FGV, um ponto fundamental que ainda não está claro no projeto do governo do Rio é como será feito o subsídio. Ela lembra que a renda per capita das 11 cidades a serem concedidas é baixa: R$ 594 mensais.
— No modelo do BNDES, havia uma proposta de subsídio cruzado (tendo a cidade do Rio como âncora econômica). No do governo fluminense, ainda não está claro como seria essa subvenção. Dar mais transparência a esse aspecto será fundamental para que o investidor tome a decisão de participar num eventual leilão — explica Irene, que defende um subsídio direto do estado para as famílias que não puderem assumir esses gastos.
CEDAE É ‘QUESTÃO POLÍTICA’, DIZ ESPECIALISTA
A subsecretária de Parcerias Público-Privadas do governo do Rio, Paula Martins, explica que o modelo do estado já contempla, na rentabilidade do concessionário, a cobrança de uma tarifa social. E ainda prevê uma contrapartida da Cedae pela prestação do serviço, no valor de R$ 11,4 milhões ao longo de 30 anos. Esse dinheiro será pago pela estatal ao concessionário, de modo a viabilizar a concessão. Paula diz, ainda, que não haverá aumento real da tarifa: o contrato estabelecerá reajuste pela inflação ao longo dos 30 anos.
Com esse modelo, diz Paula, a receita da Cedae no período seria ampliada em R$ 6,8 bilhões, considerando o aumento da base de clientes, a queda da inadimplência e a redução das perdas. Em 2015, a receita da estatal foi de R$ 4 bilhões. O modelo se baseia em estudos feitos pela Empresa Brasileira de Projetos (EBP), da qual o BNDES é sócio.
— O banco estava acompanhando a evolução das conversas. O discurso mudou após a troca de comando. O projeto é financiável, e acredito no sucesso dele — diz Marco Capute, secretário estadual de Desenvolvimento Econômico.
O BNDES afirma estar aberto ao diálogo com o Palácio Guanabara. “Como o governo do estado declinou, até o momento, da análise de modelos como o apresentado pelo banco, prosseguiremos o programa de concessões contratando estudos para os demais estados”, informou em nota. O banco diz que, caso o modelo do governo vá adiante e o concessionário solicite financiamento ao BNDES, o projeto “seguirá a tramitação normal”.
— O governo do Rio não quer abrir mão da Cedae por uma questão política. A empresa gera receitas. Mas o fato é que ela presta um mau serviço — diz Raul Pinho, especialista em saneamento e ex-presidente do Trata Brasil.
Fonte: O Globo