Um grupo de 50 especialistas em bioenergia de diversos países se reuniu entre os dias 31 de outubro e 2 de novembro, em São Paulo, para atualizar as conclusões do relatório Bioenergy & Sustainability: bridging the gaps.
Lançado em abril de 2015, a publicação é uma iniciativa da FAPESP e do Comitê Científico para Problemas do Ambiente (SCOPE, na sigla em inglês) – agência intergovernamental associada à Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).
O relatório é resultado do trabalho de 137 especialistas de 24 países, recrutados em 82 instituições e coordenados por pesquisadores dos programas FAPESP de Pesquisa em Bioenergia (BIOEN), em Caracterização, Conservação, Restauração e Uso Sustentável da Biodiversidade (BIOTA) e Mudanças Climáticas Globais (PFPMCG).
“Depois que o relatório foi lançado tivemos acontecimentos importantes, como o Acordo de Paris e a adoção dos novos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável, que deverão ter impactos sobre o uso de bioenergia no mundo”, disse Gláucia Mendes Souza, membro da coordenação do Programa BIOEN e coeditora da publicação, à Agência FAPESP.
O Acordo de Paris é o novo pacto climático mundial estabelecido durante a 21ª Conferência das Partes da Convenção das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP 21), realizada em dezembro de 2015, na capital francesa. Os novos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODSs) foram aprovados em setembro de 2015 durante a Cúpula das Nações Unidas para o Desenvolvimento Sustentável, em Nova York.
“Decidimos reunir um grupo de 50 especialistas para realizar um processo de avaliação rápida do relatório para rediscutir as conclusões da publicação com base nas INDCs – [Intended Nationally Determined Contributions, metas de redução de emissões de gases causadores de mudanças climáticas estabelecidas pelos países signatários do Acordo de Paris] e das ODSs, além dos desafios para expansão da bioenergia na América Latina e África”, disse Souza, que presidiu o processo de revisão.
No primeiro dia do encontro, os especialistas foram distribuídos em cinco grupos, voltados a discutir temas relacionados à bioenergia e segurança energética, acesso à energia, segurança alimentar, ambiental e climática, desenvolvimento sustentável e redução de pobreza no mundo.
No segundo dia do encontro, os relatores apresentaram as conclusões do primeiro dia de discussões de cada um dos cinco grupos em uma sessão plenária, na FAPESP.
Durante esse dia, eles tomaram notas de sugestões dadas por representantes de instituições como o Stockholm Environment Institute (Suécia), o World Agroforestry Centre (Quênia), o International Renewable Energy Agency (Irena), o escritório regional da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO/ONU) e o Global Lead for Sustainable Bioenergy do Sustainable Energy for All (SE4ALL) – iniciativa lançada em 2011 pela ONU com o objetivo de dobrar o uso global de energia renovável e garantir o acesso universal à energia até 2030.
As principais conclusões das discussões que ocorreram nos dois primeiros dias do evento, sobre questões relativas ao panorama atual da produção de bioenergia na África e na América Latina, bem como as tendências de produção e uso de bioenergia no mundo e seus possíveis efeitos em políticas públicas e no mercado, deverão resultar em um documento com recomendações aos tomadores de decisão política (police brief), a ser lançado em 2017.
“Esperamos que, ouvindo pesquisadores, indústria, governo e organizações não governamentais, possamos ampliar o escopo do relatório, incluir todos os setores que participam do processo de tomada de decisão e produzir recomendações de políticas orientadas a promover a expansão sustentável da bioenergia no mundo”, disse Souza.
O relatório Bioenergy & Sustainability: bridging the gaps pode ser lido em: http://bioenfapesp.org/scopebioenergy/index.php
Aumento da produção
Entre as conclusões do relatório está que há terra suficiente para a extensão do cultivo de biomassa em nível mundial e que a maior parte da terra disponível para essa finalidade se encontra na América Latina e na África.
Mas, para viabilizar o aumento da produção de bioenergia nessas regiões –onde a utilização de terra para produção de bioenergia não representaria uma ameaça para a segurança alimentar e a biodiversidade sob certas condições –, é preciso elaborar planos de financiamento e comercialização, indica a publicação.
“A América Latina e a África são, de fato, as duas regiões com maior disponibilidade de terra e potencial para aumentar o rendimento para a melhoria da produção de alimentos e de bioenergia, mas vivem realidades bem diferentes”, disse Helen Watson, professora da University of Kwazulu-Natal, da África do Sul, em palestra durante o evento.
De acordo com a pesquisadora, a América Latina tem produzido mais alimentos do que precisa, e essa tendência, que está crescendo, resulta em melhorias no desenvolvimento econômico, grandes oportunidades para produção de bioenergia e de bioprodutos e aumento das exportações de alimentos pela região.
Já na África a insegurança alimentar diminuiu, mas ainda é a maior no mundo. Em geral, uma em cada quatro pessoas na região é afetada pelo problema devido, principalmente, ao desenvolvimento econômico insuficiente.
“É necessário melhorar dramaticamente o desenvolvimento econômico e a produção de alimentos na África. A produção de bioenergia pode contribuir muito nesse processo por meio da geração de empregos”, disse Watson.
Na avaliação da especialista, alguns dos desafios para expandir a produção de alimentos e de bioenergia na África são a gravidade e a extensão da degradação do solo da região, a escassez de água superficial e subterrânea, o baixo acesso à energia, serviços de extensão agrícolas pobres e uma complexa e variada situação fundiária, entre outros fatores.
“A produção moderna de biomassa e de bioenergia pode contribuir para a diminuição de alguns desses problemas. Resíduos agrícolas podem ser usados para abastecer pequenas centrais elétricas, fora do sistema de distribuição de energia, em áreas rurais que estão crescendo rapidamente. E resíduos domésticos poderiam ser usados para produção de biogás e eletricidade”, disse Watson.
De acordo com dados apresentados por Ruhiza Boroto, diretor sênior de recursos hídricos do escritório regional da FAO/ONU em Gana, entre 2000 e 2012 uma área total de aproximadamente 3,4 milhões de hectares foi adquirida na África.
Desse total, 26% foram destinados à plantação de culturas alimentares, 68% para plantação de cultivares voltadas à produção de biocombustíveis, 3% para produção de algodão e 3% para pastagem de gado. A produção de biocombustíveis no continente africano, contudo, ainda é baixa.
“A América Latina, particularmente o Brasil, provou o potencial que a bioenergia tem de contribuir para a matriz energética de um país”, avaliou Boroto.
“A África pode seguramente aprender com esta experiência positiva e adaptá-la ao seu próprio contexto, considerando que o uso da bioenergia – especialmente a madeira – é a fonte mais importante de energia para as famílias da região, e que é insustentável”, disse.
Fonte: Agência Fapesp