O Brasil apresenta amplos recursos de água doce, mas ainda enfrenta secas, enquanto tempestades tropicais têm um efeito cada vez mais devastador. Qual seria a conexão? A água, e a maneira como nós gerenciamos esse recurso precioso.
Ao redor do planeta, rios estão sendo poluídos, florestas estão sendo destruídas, e recursos hídricos estão sobrecarregados — o que significa que, até 2050, quatro bilhões de pessoas poderão ainda estar sem acesso a água potável e saneamento.
Por muito tempo, nós confiamos predominantemente em infraestruturas construídas pelo ser humano para a gestão dos recursos hídricos, mas um novo relatório das Nações Unidas propõe uma solução complementar que, de fato, tem milhares de anos: trabalhar com a natureza, e não contra ela. O Relatório Mundial sobre Desenvolvimento dos Recursos Hídricos deste ano — um Relatório do UN-Water (ONU-Água) produzido pela Unesco — propõe combinar a engenhosidade do ser humano com a engenhosidade da natureza para uma abordagem mais sustentável e harmoniosa quanto à gestão da água.
O Brasil tem dado seu exemplo há mais de dez anos na Bacia do Paraná, no sul do país. O programa Cultivando Água Boa não apenas melhorou o meio ambiente, como também aumentou a qualidade de vida dos habitantes.
Do reflorestamento das florestas ao uso de fertilizantes naturais, da limpeza dos equipamentos agrícolas para que os pesticidas não cheguem aos rios à utilização de técnicas tradicionais de terraceamento para prevenir que solos ricos desapareçam nos rios, o programa mostra de que forma técnicas simples podem fazer uma grande diferença.
Vinte e quatro milhões de árvores foram plantadas, vinculando o mundialmente reconhecido Parque Nacional do Iguaçu, um sítio do Patrimônio Mundial Natural da Unesco, a outras florestas, estimulando o desenvolvimento da diversidade local de espécies. O Canal da Piracema agora segue um curso natural, contornando a Represa de Itaipu e permitindo que os peixes migradores desçam pelo rio até comunidades pesqueiras locais. Fazendeiros que usam métodos mais orgânicos têm visto seus meios de subsistência melhorarem, e as crianças que estudam em escolas locais estão tendo refeições mais saudáveis.
Tudo isso é o resultado de se posicionar a importância da água no centro das políticas. Ao redor do mundo, ocorre uma mudança nas abordagens: das autoridades da cidade de Nova York que protegem as reservas naturais adjacentes, pelos benefícios tanto econômicos quanto ambientais, às estruturas de captação de água de pequena escala no Rajastão, na Índia, que levam água de volta a mil povoados atingidos pela seca.
O uso sustentável dos recursos hídricos é essencial para garantir paz e prosperidade no longo prazo, e esse tema se tornará ainda mais importante com o crescimento populacional e a mudança climática. A Unesco — como a agência da ONU responsável pela cooperação intelectual nas ciências, na educação e na cultura — tem trabalhado há mais de 50 anos na gestão da água.
Nós trabalhamos com os outros membros do UN-Water (ONU-Água) para entender o mundo natural e o nosso lugar nele. Os rios, lagos e oceanos do planeta atravessam fronteiras nacionais, e nós trabalhamos junto aos países para assegurar que tais recursos sejam divididos de forma equitativa. As culturas humanas são profundamente moldadas pelo nosso meio ambiente, e a Unesco trabalha para proteger paisagens de grande importância. Acima de tudo, a educação sobre a mudança climática e o desenvolvimento sustentável são fundamentais.
As lições do Cultivando Água Boa no Brasil têm sido reproduzidas por todo o país, assim como em outros locais na América Latina e na África. Agora, é o momento de repensar os nossos recursos hídricos mundialmente, para então equilibrarmos as necessidades humanas com o futuro do nosso planeta.
Audrey Azoulay é diretora-geral da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO). Artigo publicado no jornal O Globo no dia 20 de março de 2018.