Potência mundial do agronegócio, o Brasil pode ser um viveiro de tecnologias e de modelos agroecológicos, que tornem economicamente viável a produção orgânica de alimentos e fibras no país.
Essa é uma das principais conclusões de especialistas, produtores rurais e empreendedores sociais no “Diálogos Transformadores”, que na última terça-feira (27) debateu o tema “Nova Agricultura: Uma Produção Sustentável de Alimentos e Fibras”. O encontro foi realizado pela Folha, em parceria com a Ashoka.
“Tivemos décadas de muito investimento na pesquisa dentro da lógica da Revolução Verde”, afirmou Rogério Pereira Dias, coordenador de agroecologia e produção orgânica do Ministério da Agricultura, referindo-se ao processo de modernização agrícola destinado a aumentar a produtividade das colheitas com maquinários, transgênicos e insumos químicos.
“Se tivermos o mesmo valor e empenho colocado para desenvolver tecnologia no campo na visão da agricultura orgânica, de base agroecológica, podemos dar saltos enormes.”
Segundo dados atualizados da pasta, a área de produção de orgânicos no Brasil é de 1,1 milhão de hectares, quase o dobro do que havia em 2013.
Esses avanços já são realidade na Fazenda da Toca, em Itirapina, interior de São Paulo. Com 2,3 mil hectares, o local se tornou referência no cultivo de alimentos orgânicos em larga escala.
“Acredito que dá para alimentar o mundo com orgânico”, afirmou Pedro Paulo Diniz, fundador da Fazenda da Toca. O filho de Abílio Diniz, grande nome do varejo, assumiu a propriedade da família em 2007 e substituiu a agricultura convencional.
“Neste ano, plantamos 350 hectares de milho e colhemos 9,8 toneladas por hectare, uma média igual a do plantio convencional”, comparou.
Eficiência alcançada com o uso de sistemas agroflorestais, que combinam culturas agrícolas com espécies arbóreas. Esses modelos geram os próprios insumos, o que viabiliza o cultivo orgânico em escala, já que os fertilizantes naturais ainda são caros.
Baseados nos ciclos e recursos da natureza, eles minimizam a degradação do solo, melhoram a produção e ajudam a regenerar a biodiversidade, trazendo rentabilidade ao campo.
Segundo Laércio Meirelles, da ONG Centro Ecológico, o alto custo pode inviabilizar a agricultura tradicional nas próximas décadas, que viu o valor da produção da soja aumentar 207%. “O que fazer com o nitrogênio, o fósforo e o potássio importados? A experiência que acumulamos aponta para soluções.”
“Não vejo como produzir 2 bilhões de toneladas de alimentos por ano no mundo somente com orgânico”, contrapôs Arlindo de Azevedo Moura, presidente da Abrapa (Associação Brasileira dos Produtores de Algodão) e da Terra Santa, grande produtora de soja, milho e algodão. Para ele, não haveria terra suficiente, já que, de modo geral, a cultura orgânica ainda é menos produtiva.
Diniz argumentou com o exemplo da plantação de cana da família Balbo, maiores produtores orgânicos do país. De acordo com o empresário, a produção de lá é 40% maior no modelo orgânico.
“Não é de hoje para amanhã. [É preciso] trabalhar numa transição para que o grande agronegócio, ao invés de destruir, crie vida”, disse o fundador da Fazenda da Toca. “Quando se investe no desenvolvimento de sistemas agroecólogicos, isso serve tanto para o pequeno quanto para o grande [agricultor].”
ALGODÃO
Moura relativizou o status brasileiro de campeão no uso de agrotóxicos. “Não acho justo porque produzimos mais alimentos do que outros países.” O empresário disse que, para cada dólar gasto com químicos, o país produz 142 kg de produtos, mais que o dobro da Europa.
Na questão do algodão, o presidente da Abrapa salientou ainda que 71% dos produtores brasileiros são certificados pelo BCI (Iniciativa por um Algodão Melhor, na sigla em inglês, que analisa questões ambientais, sociais e econômicas), mas não são necessariamente orgânicos.
Apesar de o Brasil ser hoje o quinto maior produtor mundial de algodão, o volume desse produto orgânico ainda é irrisório. Segundo os dados da Conab (Companhia Nacional de Abastecimento), o país produziu 1,2 milhão de toneladas de plumas em 2016. No mesmo ano, o relatório da ONG Textile Exchange aponta que 22 toneladas foram de fibras orgânicas.
Para Silvio Moraes, representante para a América Latina da organização, o aumento da produção do orgânico está relacionado a mais investimentos em assistência técnica aos pequenos agricultores. “Não vai acontecer numa escala de propriedades maiores, mas num maior número de propriedades.”
O Instituto C&A também tem atuado no fomento da produção de algodão orgânico. “Trabalhamos com parcerias e investindo em projetos de capacitação técnica dos agricultores”, disse Giuliana Ortega, diretora executiva do instituto, que apoia o “Diálogos Transformadores”.
Os especialistas também destacaram o papel do consumidor. “Não compre, não cozinhe, não coma e não sirva o que você não colocaria dentro de você”, disse o chef Alex Atala, fundador do Instituto Atá, que atua para fortalecer a cadeia do alimento.
“Diálogos Transformadores Nova Agricultura: Uma Produção Sustentável de Alimentos e Fibras” teve apoio do Instituto C&A
Redação Investvida
Fonte: Cidades Sustentaveis