Unidade do Colégio Pedro II na Tijuca é uma das quase 400 escolas que estão ocupadas em todo o país por estudantes que protestam contra a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 55 e contra a Reforma do Ensino Médio. Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) pede diálogo entre secundaristas e gestores públicos.
Na Tijuca, zona norte do Rio de Janeiro, as sirenes do Colégio Pedro II, que costumam anunciar o início e término das aulas, já não tocam mais. O alarme disciplinar foi substituído pelo burburinho de debates sobre o papel da juventude na democracia e na educação do Brasil. Saraus, atividades culturais e esportivas também reinventam o espaço acadêmico.
O centro de ensino é uma das quase 400 escolas que estão ocupadas em todo o país por estudantes que protestam contra a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 55, que impõe um teto aos gastos públicos por 20 anos, e contra a Reforma do Ensino Médio, apresentada em setembro pelo governo federal em caráter de Medida Provisória.
No Rio de Janeiro, são 14 escolas sob ocupação, das quais sete são unidades do Pedro II. Os números são da União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (UBES). Somadas às cerca de 220 universidades também ocupadas, o total de instituições envolvidas no movimento chega a mais de 600 no Brasil.
No Pedro II da Tijuca, segundo os alunos, as atividades escolares já haviam sido interrompidas antes da ocupação por conta da greve dos servidores, que mobiliza professores e funcionários técnico-administrativos desde 28 de outubro.
Parte do corpo discente decidiu se instalar no colégio também ao final do mês passado. Desde então, são os alunos que administram a escola dividindo-se em seis comissões — limpeza, alimentação, tesouraria, segurança, comunicação e mídia.
Debates e oficinas de arte abertas a toda a comunidade movimentam o local, onde também são organizados “aulões” para os discentes do 3º ano que fazem os exames vestibulares. Professores da própria instituição e também de fora ajudaram estudantes na preparação para o Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM), que ocorreu nos dias 5 e 6 de novembro.
“O principal motivo da ocupação foi quando essa PEC foi levada para votação (na Câmara, na última semana de outubro)”, lembra Marina Nunes, estudante do 2º ano do Ensino Médio.
Seu colega, Lucas Vidotti, do 1º ano, acredita que a Proposta “é um descaso com a educação, com o país, com as pessoas, porque a política deve investir nas causas sociais”.
Mãe de outra aluna do Pedro II, a economista Márcia Thimoteo lamenta que as pessoas tenham uma visão deturpada das ocupações e que o movimento seja associado ao consumo de drogas e à “farra” no ambiente escolar.
“Ao contrário, hoje eu acho que eles estão aprendendo muito mais a ser cidadãos e a fazer as coisas corretamente. A Érika (sua filha) lava banheiro, limpa o pátio da escola”, explicou Márcia sobre a rotina da unidade.
Reforma curricular
Sobre a Reforma do Ensino Médio, a estudante Marina explica que os esforços dela e de seus colegas são “em prol de quem vai vir depois da gente”, pois os atuais secundaristas não serão afetados pelas mudanças no currículo.
A medida provisória define que alunos terão de escolher uma entre cinco áreas específicas — linguagens, matemática, ciências da natureza, ciências humanas e formação técnica e profissional — que responderá por no mínimo metade da carga horária do Ensino Médio.
O restante do tempo será preenchido com disciplinas da Base Nacional Curricular Comum, que ainda está sendo definida. No texto original da MP, disciplinas como artes e educação física deixaram de ser obrigatórias. Estudantes temem que a mudança reduzirá também a oferta de matérias como filosofia e sociologia, diminuindo a diversidade da formação acadêmica.
“Eu gosto muito de sociologia e filosofia e eu acho que são matérias cruciais para a nossa educação porque elas não são matérias ‘marxistas’, elas são matérias que ensinam você a conviver na sociedade”, comenta Marina, que pensa em cursar Química na faculdade.
“Eu acho que a Reforma do Ensino Médio vai criar um cidadão que não tá (sic) disposto a pensar e a criticar, é um cidadão que vai ser como se fosse um robô, um boneco, uma mão de obra barata porque não vai ter (opinião) crítica, um autopensamento”, completa.
UNICEF pede diálogo
Para o coordenador do programa Cidadania dos Adolescentes do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), Mário Volpi, o país “vive um momento importante em que é preciso fazer mudanças na educação”. “É preciso levar em conta que o Brasil tem mais de 1,6 milhão de adolescentes de 15 a 17 anos que estão fora da escola”, lembra.
Mas reformas no currículo devem ser pensadas em conjunto, com todos os adolescentes, considerando diferentes pontos de vista, destaca o especialista. “Essas mudanças precisam dialogar com os principais sujeitos da aprendizagem que são os próprios adolescentes”, alerta.
“Nessa discussão sobre Ensino Médio, é muito importante abrir canais de diálogo para ouvir o que os adolescentes, que estão em diferentes locais da sociedade, alguns ocupando escolas, outros em movimentos sociais, outros participando de atividades de ONGs, outros adolescentes que estão tentando expressar suas opiniões nas redes sociais. É importante que essas opiniões sejam sistematizadas e levadas em conta”, explica Volpi.
Proteção dos jovens
Além de garantir a participação dos jovens nos processos decisórios, o representante da agência da ONU também afirma ser fundamental preservar “o direito à proteção desses adolescentes que estão tentando por diferentes formas e estratégias expressar suas vozes”.
Em nota publicada no dia 31 de outubro, o organismo das Nações Unidas já havia enfatizado que “cabe ao Estado garantir que as negociações sejam conduzidas de modo a preservar a integridade, a dignidade e a proteção de todos os envolvidos, com transparência e clareza sobre o bem maior a preservar: a vida de cada pessoa e o seu direito inalienável à educação”.
Segundo os estudantes do Pedro II da Tijuca, nenhuma assistência do governo tem sido oferecida aos alunos, que mantêm a ocupação com doações de alimentos e produtos de limpeza da comunidade. Os discentes planejam uma visita de médicos e outros profissionais de saúde para ensino de primeiros socorros e para monitoramento do bem-estar dos ocupantes.
Atualmente, nove campi do Pedro II — Realengo II, São Cristóvão II e III, Tijuca II, Humaitá II, Niterói, Centro, Engenho Novo II e Duque de Caxias — estão ocupados.
Fonte: Onu Brasil