Com que frequência você lava suas calças jeans? Quando viaja de avião, são viagens longas? Prefere comprar tomates embalados, avulsos ou em conserva? Quantas vezes por semana você come carne?
As perguntas soam, a princípio, muito específicas. Mas são essenciais para entender o rastro que seus hábitos de consumo e escolhas individuais deixam no planeta.
Foi em uma conversa com o marido, no sofá de casa, que a designer industrial e escritora holandesa Babette Porcelijn percebeu que, apesar de ser especialista na cadeia produtiva de produtos industrializados, não entendia exatamente qual era o impacto do seu estilo de vida no planeta.
“Ele me contou que os 16 maiores navios porta-contêineres do mundo juntos emitem a mesma quantidade de enxofre que todos os carros que circulam no mundo! E que perdemos cerca de 27 milhões de árvores por dia por causa do desmatamento”, disse à BBC Brasil.
“Isso mudou minha maneira de ver nosso impacto ambiental, porque eu achava que estávamos fazendo um ótimo trabalho, pelo menos aqui na Holanda”.
Ao pesquisar sobre o tema, Porcelijn percebeu que pelo menos em países ricos como Holanda e Estados Unidos mais de um quarto da “pegada ecológica” de cada ser humano é perceptível no dia a dia. O resto está embutido no ciclo de vida de produtos e serviços – da extração de matérias-primas, passando pelo transporte, até o descarte.
Conseguimos refletir, por exemplo, sobre a energia elétrica gasta para carregar nossos celulares, laptops e outros aparelhos eletrônicos. Mas falamos pouco sobre as consequências da mineração dos metais necessários para produzi-los ou a quantidade de água utilizada nesse processo.
Mas a principal revelação da pesquisa, conta Porcelijn, é que “o maior impacto ambiental não é causado exatamente pelos carros que dirigimos ou pelo ar-condicionado das casas e, sim, por produtos que consumimos – livros, eletrônicos, roupas, alimentos”. Pelo menos na Holanda e nos Estados Unidos.
O resultado do estudo foi compilado no livro Hidden Impact (“Impacto oculto”, em tradução livre), no qual a autora também dá dicas de como reduzir, de forma prática, o impacto provocado pelas escolhas cotidianas. E sem que seja preciso, necessariamente, mudar radicalmente de hábitos da noite para o dia.
Desde então, a holandesa se dedica em tempo integral a projetos de consultoria e análises de impacto ambiental. Ela esteve em São Paulo para participar do evento What Design Can Do (“O que o design pode fazer”, em tradução livre).
Como calcular?
O que Porcelijn considera como impacto é composto de elementos como uso da água e da terra, desmatamento, mineração e processamento de matérias-primas, esgotamento de recursos naturais, perda de biodiversidade, emissões de gases de efeito estufa, lixo e uso de combustíveis fósseis.
“O que eu quero fazer é monitorar todo o sistema e incluir todo tipo de impacto. Não só no clima, mas também na natureza, na biodiversidade, todo tipo de poluição”, explica.
“Eu não conseguia encontrar esses dados em lugar nenhum, o que achei muito esquisito. É esse o tipo de coisa que queremos e precisamos saber. Eu tive que ir muito fundo na pesquisa e contratei empresas especializadas para me ajudar.”
Para calcular o impacto da carne, por exemplo, é preciso levar em conta a produção de alimento para o gado e o desmatamento causado para criar o pasto.
Para saber o real impacto de um carro, é necessário incluir a poluição causada pela mineração dos metais utilizados.
No caso de uma calça jeans, deve-se considerar a água utilizada na produção de algodão e também na lavagem do tecido.
A tarefa parece impossível e, de fato, a escritora holandesa reconhece que ainda há muito a ser calculado.
“Quando eu procurei especialistas, eles me disseram que nenhum método científico atual inclui todos os tipos de impacto. Mas como podemos superar o maior desafio dos nossos tempos se não conseguimos investigá-lo de verdade?”, questiona.
“Resolvi seguir em frente assim mesmo.”
Por isso, ela explica, os cálculos utilizados em seu método são aproximados.
Para efeito de comparação, a designer fez os mesmos cálculos para a Holanda e para os Estados Unidos, quando conseguiu obter as informações.
“É meio chocante, porque lá tudo é o dobro”, diz.
Ela conta que está, no momento, procurando empresas que a ajudem a fazer as mesmas estimativas para o Brasil.
A pedido da BBC Brasil, ela adaptou alguns gráficos produzidos durante a sua pesquisa e converteu os dados para as unidades de medida brasileiras.
Consequências ‘surpresa’
Ao escolher estudos de caso para exemplificar o impacto oculto do nosso consumo, Porcelijn diz ter se surpreendido com dados que desafiavam o senso comum a respeito do tema.
No exemplo da calça jeans, ela descobriu que o maior prejuízo ao meio ambiente está escondido no cultivo de algodão. Mas o uso de máquinas de lavar e de secar, que costuma não ser considerado, produz emite cerca de 12,5 kg de CO2 por lavagem, além do gasto de ao menos 50 litros de água.
No caso dos alimentos, a pesquisa revelou que frutas e legumes em conserva ou transformados em molhos, como o tomate, podem ter menos impacto ambiental do que os frescos.
A autora explica: normalmente, o impacto da produção de vegetais no ecossistema é pequeno, incluindo eventuais embalagens plásticas. O problema se encontra, no entanto, no desperdício que acontece do momento da colheita até a chegada ao prato do consumidor.
“Perder um tomate tem um impacto muito mais negativo do que comprar tomates embalados. A embalagem na verdade, se não for excessiva, pode ser boa, se considerarmos que ela impede a perda”, diz.
Mais de um terço da comida produzida nunca chega ao seu prato. No caso das frutas, legumes e verduras, a perda chega a 50% das colheitas. Por isso, as conservas – que são feitas com vegetais frescos logo após serem colhidos e têm perda menor – acabam sendo mais vantajosas para o meio ambiente.
Parte desse não aproveitamento acontece em casa, com a comida que estraga na geladeira ou é deixada no prato. Porcelijn calculou também esse impacto: se não desperdiçássemos nenhum alimento, nossa pegada ecológica diminuiria cerca de 15% para comida em geral e até 17% considerando só os vegetais.
Uma das dicas da designer industrial é fazer um calendário com as frutas, legumes e verduras de cada estação e procurar comprá-los de produtores locais – localizados a até 2 mil quilômetros de distância, para diminuir o impacto do transporte. Se quiser algum que esteja fora de época, cujo impacto para produzir é maior, prefira a conserva.
Outra boa ideia, segundo Porcelijn, é comprar produtos que estejam perto do vencimento e consumi-los rapidamente, para evitar que o supermercado jogue no lixo. E vale a pena ficar de olho em embalagens excessivas.
Os meios de transporte também foram computados no cálculo de Porcelijn, com mais uma revelação surpreendente: caso a intenção seja diminuir realmente o seu impacto negativo no mundo, vale reduzir as viagens longas de avião.
Apesar de, no total, carros poluírem mais por quilômetro rodado que aviões, os especialistas consultados pela designer ressaltam que a possibilidade de viajar de avião aumentou as distâncias que percorremos.
Por isso, eles fizeram uma comparação entre diferentes meios de transporte para uma viagem de 6,5 horas. O resultado: aviões poluem mais, pelo menos em viagens mais longas. Para outro estado pode valer a pena. Mas férias em Dubai? Pense no impacto, sugere Babette Porcelijn.
Caso você realmente não queira abrir mão das férias em outro continente, vale calcular o plantio de árvores necessário para compensar as emissões pela duração do voo, ou apoiar alguma organização que faça esse trabalho.
Por onde começar?
A designer holandesa também se especializou em dar dicas para tentar mitigar a pegada ecológica de cada um, sem que isso tenha que significar adotar uma vida “ecoréxica”, segundo ela.
“Para mim, é importante começar pelas coisas grandes, que causam mais impacto. Mudá-las é mais eficiente”, afirma.
Desde que se debruçou sobre o tema, Porcelijn inseriu algumas dessas mudanças na rotina de sua família.
“Só compro o que realmente preciso e, se eu puder, de segunda mão, especialmente roupas; parei de comer carne e também não tenho mais carro e não pego aviões, a não ser que isso seja para fazer mais bem do que mal. Estou indo de avião para São Paulo porque acho que alcançar pessoas aí e eventualmente ajudá-las a mudar suas vidas faz mais bem do que mal”, afirma.
“Nas férias, viajamos muito de bicicleta. É uma aventura incrível e nossos filhos também adoram. A família ficou mais próxima.”
A designer acredita que deixar de comer carne – o alimento mais poluente – pode ser mais prioritário para o meio ambiente do que deixar de ter um carro.
“Na Holanda certamente esse é o caso, e pelo que ouço do Brasil, também”, diz.
O primeiro passo, segundo ela, é tornar-se sustentável e reduzir o impacto relativo aos seus hábitos pessoais.
De acordo a ONU, a população da Terra será de cerca de 10 bilhões de pessoas em 2050, caso o ritmo de crescimento se mantenha.
Já a economia global em 2050 será 2,7 vezes maior do que hoje, segundo a consultoria PricewaterhouseCoopers. E, de acordo com a ONG Global Footprint Network, a população atual vive como se tivesse os recursos de 1,6 planeta Terra.
De acordo com o cálculo de Porcelijn, usando as duas estatísticas, chegaríamos a 2050 precisando de 4,3 Terras para sustentar nosso estilo de vida.
“Se vivermos de acordo com os limites do nosso planeta, já seremos sustentáveis”, afirma.
No caso do Brasil, cuja população vive como se tivesse 1,8 planeta Terra, viver no limite seria reduzir o impacto médio total para cerca de metade do que ele é atualmente.
Para quem pretende ir mais além, ser “econeutro” envolve fazer compostagem, plantar árvores, investir em energia renovável e apoiar financeiramente organizações ambientais, por exemplo.
O nível três, “ecopositivo”, significa trabalhar para que sua influência na mudança de hábitos das pessoas ao seu redor – em casa, no trabalho e em outros grupos – seja maior do que seu impacto no mundo como consumidor.
Menos é mais
O impacto negativo está, inevitavelmente, em todos os produtos que consumimos e atividades que praticamos. A holandesa ressalta, no entanto, que a mudança não deve assustar.
“O truque é: mesmo que você ainda faça tudo o que normalmente faz, faça menos. Por exemplo, pode comer a metade de uma porção de carne, e não essas enormes. Ou não comer todo dia, mas só uma vez por semana”, diz.
“Depois de começar a adotar essas reduções, pode escolher opções que tenham menos impacto. No caso da carne, por exemplo, a bovina tem o maior impacto. Frango já seria melhor.”
Para Porcelijn, também é preciso combater o mito de que “tudo o que é orgânico é melhor” na hora de mudar o estilo de vida.
“A carne orgânica, por exemplo, nem sempre é a melhor escolha. Os dados que recolhi mostram que os animais vivem mais, mas geralmente têm um rendimento menor e necessitam de mais espaço e mais alimento, que é o fator mais poluente”, explica.
“Ainda precisamos fazer com que a produção de orgânicos seja algo muito mais eficiente do que é. E também melhorar a agricultura e pecuária intensivas. Acho que os dois processos deveriam ser combinados e teríamos um bom resultado. Até lá, tenha cuidado.”
A escolha do material das roupas também é importante.
“Eu achava que roupas sintéticas seriam melhores, porque a produção delas é menos poluente do que as de algodão, lã ou seda. Mas o problema é que, quando você lava, os tecidos sintéticos liberam microplásticos na água”, explica.
“Se você sabe que determinado tecido é produzido de maneira menos poluente, ótimo. Mas é melhor comprar menos roupas, do que simplesmente mudar para roupas orgânicas.”
Críticos afirmam que a ideia de abrir mão de tantos produtos e atividades ainda é elitista – já que, em sua maioria, produtos orgânicos ou sustentáveis costumam ser mais caros.
A autora diz, no entanto, que são as pessoas com maior renda que devem, de fato, se preocupar mais com seus hábitos.
“Quanto mais dinheiro você tem, mais impacto pode comprar. Então os ricos devem estar mais atentos a isso do que os pobres. E, de modo geral, percebo que minha vida é bem mais barata com o novo estilo que adotei.”
“Tento dizer quais mudanças seriam as mais eficientes. Mas não julgo o comportamento das pessoas. Só acho que não temos tempo a perder.”