Bancos comunitários e moedas regionais ajudam a compensar falta de crédito

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Quem vai às compras na pequena Igaci, cidade de 25 mil habitantes no semiárido alagoano, pode pagar com dinheiro, cartão ou com terra, a moeda regional. Hoje, 26 pontos de comércio na cidade já aceitam essa forma de pagamento. Um deles é o mercado Lucena, de propriedade de Jack Jones de Lucena, um dos primeiros a aderir à moeda.

“Desde que comecei a aceitar [o terra], aumentaram as vendas, porque as pessoas gastam o dinheiro desses locais aqui, e nem todos aceitam”, conta.

A moeda foi criada em 2010, mas só havia circulado em uma feira de agricultura familiar. Em julho do ano passado, com a criação do banco comunitário Olhos D’Água, o terra ganhou destaque na economia igaciense. Hoje, existem em torno de 5.000 terras circulando em Igaci –cada terra equivale a um real.

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Os bancos comunitários e suas moedas regionais são uma alternativa em meio à pouca oferta de crédito pelos bancos tradicionais. Segundo a Secretaria de Economia Solidária, vinculada ao Ministério do Trabalho e Emprego, existem hoje 107 bancos comunitários organizados em redes, mas esse número pode ser maior.

Em alguns casos, eles estão instalados em cidades que sequer têm agências bancárias e são os únicos a atender pequenos comerciantes e agricultores normalmente excluídos do sistema financeiro tradicional.

Empréstimo de até R$ 1.000

A moeda terra foi inserida na economia de Igaci por meio de empréstimos tomados no banco comunitário Olhos D’Água. Ali, qualquer pessoa da cidade pode pedir dinheiro emprestado.

“Aqui teria fome se não tivesse esse banco. Quando alguém está apertado, tem a quem recorrer, e isso é fundamental”, diz José Ferreira de Araújo, presidente da Associação dos Agricultores Alternativos de Igaci.

O banco começou com R$ 30 mil para oferecer à população –parte paga em reais e parte em terras. Esse valor já se multiplicou nas mãos dos usuários, segundo Gleice Mary Gomes da Silva, uma das gestoras do banco e presidente do Fundaf (Fundo para o Desenvolvimento da Agricultura Familiar) de Igaci. “Já emprestamos R$ 52 mil”, conta. Segundo ela, já foram beneficiados 102 clientes.

O banco oferece três linhas de financiamento: uma emergencial, que sai apenas em terra (para consumidores), uma para crédito produtivo (para agricultores, com empréstimo de até R$ 1.000) e outra para os donos de comércio (até R$ 500). O prazo para pagar chega a oito meses, com direito a dois meses de carência e juros de 2% ao mês.

Para divulgar os “produtos”, o banco tem duas agentes de crédito, que recebem R$ 500 por mês e trabalham três dias por semana explicando detalhes aos clientes interessados.

Estímulo ao comércio local

Como o terra circula apenas no município, estimula os moradores a gastarem ali mesmo, sem ir às cidades próximas.

“Antes, muita gente saía para comprar em Palmeira dos Índios ou Arapiraca [cidades vizinhas], mas agora o dinheiro fica aqui mesmo, em Igaci”, relata Niele Oliveira, uma das agentes de crédito do banco comunitário.

“Sem dúvida a moeda circula muito. A pessoa compra aqui um remédio, e já vamos na loja vizinha e compramos algo com a moeda. Assim, circula sem parar”, diz Vitória Santos, funcionária de uma farmácia no centro da cidade.

Apesar da boa aceitação, ainda há espaço para o terra crescer em Igaci, diz Gleice. “O desafio hoje é fazer com que as pessoas acreditem na moeda social. Ainda há uma desconfiança. Mas estamos crescendo, tem comerciante que até dá descontos a quem paga em terra.”

Nova relação com o dinheiro

As moedas regionais (também chamadas de moedas sociais) são um eficiente mecanismo complementar à nossa moeda oficial, afirma o professor Leonardo Leal, coordenador da Incubadora Tecnológica de Economia Solidária da Ufal (Universidade Federal de Alagoas).

“É uma forma de moeda paralela instituída e administrada por seus próprios usuários. Elas estão a serviço da comunidade, visando contribuir com a resolução de problemas socioeconômico”, afirma.

Leal foi um dos instrutores para a criação do banco Olhos D’Água. Segundo ele, o banco comunitário e a moeda própria ajudam a incentivar o consumo local e promovem uma nova relação com o dinheiro, “pois além de buscar resolver problemas de ordem econômica, buscam recuperar vínculos sociais degenerados, construir espaços públicos de proximidade e ainda servindo de motivo para dinamizar novas iniciativas no território”.

 

 

 


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