O dogma do lixo na Alemanha

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Separação cuidadosa dos resíduos alavanca taxa de reciclagem a 65%

Ao pensar na Alemanha, cerveja é a primeira palavra que vem à cabeça de muita gente. Há aqueles que mencionam salsicha e chucrute ou, ainda, quem se recorde com um certo horror das longas e impronunciáveis palavras formadas no idioma de Goethe. Mas, clichês à parte, um bom termo para se associar ao país é Mülltrennung – separação do lixo. Mais do que simplesmente descartar resíduos, cuidar dos detritos produzidos em casa é quase um dogma na Alemanha.

Desde pequenos, os alemães aprendem a separar o lixo doméstico cuidadosamente em tonéis de diferentes cores, em um esforço coletivo que já produz resultados significativos. Os dados mais recentes da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), de 2013, mostram o país no topo da lista da reciclagem e compostagem do lixo municipal, não só entre os países-membros, mas em toda a Europa, com 65% de reaproveitamento. No Brasil, para efeito de comparação, esta taxa não chegava sequer a 2% em 2012.

Num continente extremamente dependente da importação de matérias-primas, reciclar significa economizar. Estudos da Comissão Europeia indicam, por exemplo, que reciclar uma latinha de alumínio economiza cerca de 95% da energia necessária para produzir uma nova. E por tratar-se não só de uma questão ambiental, mas de uma questão econômica, a separação do lixo para reciclagem, regulamentada desde a reunificação da Alemanha, em 1990, é levada bastante a sério em qualquer casa, é quase um motivo de orgulho nacional. Jogar lixo no lugar errado é uma das maneiras mais fáceis de receber um olhar torto de um alemão.

Colocar a mão na massa – ou seja, no lixo – é parte integral do cotidiano. As regras para lidar com os dejetos são muitas. Há cestos para os diferentes tipos, como papel, plástico, lixo orgânico e tudo aquilo que não pode ser aproveitado. Em todos os bairros, encontram-se contêineres para descartar os vidros não retornáveis, separados por cor: verde, branco e marrom. Rezam as lendas urbanas, aliás, que a separação do lixo é o maior motivo de briga entre vizinhos: afinal, se alguém não cumprir sua parte, o lixeiro pode se recusar a levar os tonéis, o que pode significar uma multa coletiva para os moradores do prédio, um ônus extra que, claro, ninguém quer pagar. Os valores variam conforme o estado e a infração, podendo custar 10 euros, pela simples mistura de orgânicos e não orgânicos, até 100 euros, pelo descarte inadequado de objetos cortantes.

Não é fácil compreender tantos detalhes para uma carioca (mal) acostumada a jogar todo o lixo do apartamento por um duto instalado no corredor do edifício. De um companheiro “invisível” ao qual jamais prestara atenção, o lixo passou a objeto de análise, observações e elucubrações. Por exemplo, onde descartar um saquinho de chá? A erva é orgânica; deveria, em tese, ir para a lixeira marrom. A etiqueta na ponta do cordão é papel; teoricamente iria para a lixeira azul. E a cordinha de barbante? Será que é reciclável? Muitas dúvidas. Mas, ainda vale o bom senso. Não é preciso radicalizar para contribuir com uma separação eficaz do lixo doméstico e, ainda, garantir uma boa convivência com a vizinhança.

Basicamente o sistema de separação funciona a partir de quatro recipientes de cores distintas. Em um tonel preto, descarta-se o lixo geral, ou seja, tudo o que não é reciclável – de poeira a fraldas de bebê. Em um tonel azul, atira-se apenas papel, o que inclui jornais, caixas de papelão, como as de sapato ou mesmo de pizza, panfletos e lenços de papel limpos (caso estejam sujos, esses devem ir para o tonel preto!). Tonéis marrons (ou verdes, conforme a cidade) são destinados ao lixo orgânico: frutas, verduras, cascas de ovo, plantas e outros. Por fim, há os tonéis amarelos, destinados a embalagens de plástico e metal leves. Neste entram de latinhas a caixas de leite, passando por potinhos de iogurte e tubos de pasta de dente.

Há regras específicas, ainda, para o descarte de vidros. Sabe aquela cervejinha ou mesmo aquele refrigerante na garrafa, comprados no supermercado, para o fim de semana? Valem dinheiro. Uma das coisas a se notar na Alemanha é a palavra Pfand (depósito) nos rótulos de sua bebida preferida. Quando ela aparece, significa que aquela garrafa pode ser reciclada mais de uma vez. Ou seja, ao pagar pela bebida, o valor da garrafa está incluído – e é ressarcido caso o consumidor devolva o objeto após o consumo. Pode-se receber entre 0,08 centavos e 0,25 centavos de euro de volta, dependendo do tamanho e do material da garrafa.

É claro que ninguém vai especialmente ao supermercado devolver apenas uma garrafa em troca de umas poucas moedas. Mas os alemães esperam com paciência. Juntam uma determinada quantidade de cascos vazios em casa, até que valha a pena o esforço. No supermercado, ou em qualquer depósito de bebidas, devolve-se, então, as garrafas em máquinas e ganha-se um recibo com o valor a ser recebido. No caixa, o consumidor escolhe: ou troca esse recibo por dinheiro vivo ou abate aquele valor nas compras.

Além disso, há os vidros não retornáveis, como por exemplo, potes de conserva, maionese ou garrafas de vinho, que devem ser descartados em contêineres específicos, espalhados por toda a cidade. E de acordo com a cor: vidro branco, marrom ou verde. Pilhas também. Parece complicado? É, um pouco, mas acostuma-se. Costumo colocar numa sacola (reutilizável) as garrafas para descarte e levá-las de bicicleta ao depósito mais próximo, a três quadras de casa. Dá trabalho? Sim. Mas, confesso, dá também uma enorme satisfação. Quem diria que olhar – e encarar – o lixo de frente traria tamanha sensação de luxo.

Fonte: Cidades Sustentaveis
Foto: Renata Malkes


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