Por Eva Mach e Christopher Richter*

A comunidade internacional tem buscado, por boas razões, enfatizar a importância da migração como uma questão de política global. Com uma maior consciência sobre as múltiplas implicações da migração mal administrada, e com os países focados em desenvolver um novo pacto mundial para o tema, a oportunidade de uma abordagem mais sofisticada se apresenta.

Veio também a oportunidade de entender melhor a migração e sua ligação com outras questões de políticas públicas, que em um primeiro momento não pareciam estar relacionadas, como, por exemplo, a questão da água.

Tendo centralidade no desenvolvimento sustentável e na vida como a conhecemos, a água e sua relação com a migração é um campo de estudo crescente que requer atenção e ação.

Embora os vínculos nem sempre sejam diretos, pesquisadores começaram a aprofundar estudos no tema para mapear melhor as implicações desses dois domínios de políticas e suas interseções. Trata-se de uma parte importante de uma análise mais ampla sobre a ligação entre migração, meio ambiente e mudança climática.

Então, quais são as conexões entre migração e água, e o que os tomadores de decisões podem fazer para considerá-las?

Em geral, a maior parte das análises sobre questões de migração e água focam em dois fatores separados. O primeiro deles é o impacto potencial da escassez de água nos padrões de migração.

Colocando de forma simples, a falta d’água — seja como resultado da seca ou por outras causas — é às vezes considerado um fator que leva à migração, particularmente entre países ou entre regiões.

No entanto, é frequentemente difícil citar a escassez de água como um fator único, ou mesmo direto, das migrações. Uma série de outras questões socioeconômicas, políticas e ambientais, agindo de maneira cumulativa, são mais facilmente identificáveis como decisivas do que um fator sozinho.

Porém, a falta de segurança hídrica aumenta significativamente o potencial de migração, principalmente devido a seu impacto no bem-estar e nos meios de subsistência.

Relatório Mundial de Desenvolvimento da Água (WWD, na sigla em inglês) de 2016 indicou que a escassez de água resultante da seca e do esgotamento das águas subterrâneas levou ao aumento da migração de populações rurais para as cidades em alguns países árabes, com potencial de movimentos semelhantes na África. O estresse hídrico também foi identificado como um dos principais determinantes para a migração na Ásia, com pesquisas disponíveis em Iraque, Bangladesh, Maldivas e Nepal.

Dados da Organização Internacional para as Migrações (OIM) também demonstraram os impactos migratórios da seca em partes da África. A estimativa é de que a última seca tenha provocado mais de 475 mil deslocamentos internos na Etiópia (dezembro de 2017), mais de 1,2 milhão na Somália (novembro de 2016 – novembro de 2017) e mais de 14 mil em Madagascar (novembro de 2017).

Além dos níveis atuais de migração ligados à água, as previsões de mudança climática sugerem que as pessoas também podem ser forçadas a se mudar devido a alterações no ciclo hidrológico e como resultado do aumento das temperaturas globais.

A segunda questão mais comumente abordada nas discussões sobre as conexões entre migração e água é o impacto da migração sobre os recursos de água doce. Isso envolve olhar para os desafios ambientais do crescimento populacional atribuíveis à migração, especialmente no contexto da urbanização, e a pegada ambiental da migração forçada (deslocamento).

Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) fornecem diversos pontos de entrada para tratar da conexão entre migração e água, em linha com a ambição geral da Agenda 2030 de não deixar ninguém para trás. Em primeiro lugar, diversos ODS dão orientações para lidar com a migração relacionada à escassez de água, construindo resiliência frente a mudanças ambientais e garantindo o direito humano à água.

O ODS número 1 prevê o fim da pobreza e a construção de resiliência entre as populações vulneráveis frente a eventos extremos. O ODS número 2 prevê atingir a segurança alimentar e promover a agricultura sustentável, fortalecendo capacidades de adaptação a mudanças ambientais. Já o ODS número 6 prevê reduzir o número de pessoas que sofrem de escassez de água.

O ODS número 10 inclui promover a implementação de políticas migratórias bem geridas e planejadas, enquanto o ODS número 11 prevê reduzir o número de mortes de pessoas afetadas por desastres por meio de práticas de redução de risco e fortalecendo o planejamento para o desenvolvimento de cidades resilientes. Já o ODS número 13 prevê a construção de capacidades adaptativas face às mudanças climáticas e sua integração nas políticas.

Em segundo lugar, os ODS relacionados a temas ambientais, especificamente o ODS 6 para a gestão sustentável da água e do saneamento, podem ajudar a alinhar a gestão e governança das migrações com uma abordagem ambientalmente sensível para garantir que os recursos hídricos sejam administrados de maneira sustentável.

Essa formulação ambientalmente consciente de políticas de migração e a formulação consciente do ponto de vista migratório das políticas de água são essenciais em um mundo em que as taxas de urbanização continuam subindo, onde os níveis de deslocamento são os mais altos de décadas e onde os impactos da mudança climática no ciclo da água começaram a se manifestar.

Os formuladores de políticas públicas têm o poder de agir proativamente para gerenciar a migração no contexto da escassez de água, bem como cuidar dos recursos hídricos onde a migração ocorre. Isso requer um trabalho em todos os ministérios e instituições na forma como a Agenda 2030 exige.

 


*Eva Mach é oficial de programa de sustentabilidade ambiental da OIM e Christopher Richter é oficial de políticas de migração da OIM


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