A energia do Brasil: Mas que Brasil?

0
919

As instituições desempenham um papel crucial na evolução do setor de energia e, somadas à tecnologia, estruturam esse conjunto de atividades essenciais para o desenvolvimento econômico e o bem-estar das sociedades modernas.brasil

Essa crucialidade institucional introduz a presença do Estado no setor de forma incontornável, quer produzindo, quer regulando, quer definindo políticas públicas. Da atuação direta via estatais até ações externas para garantir a segurança energética, passando por uma ampla gama de ações, o Estado é um jogador fundamental no jogo energético.

Pode-se afirmar, sem sombra de dúvida, que o setor de energia é um dos setores econômicos nos quais a presença do Estado, direta ou indiretamente, é mais forte. Portanto, não é à toa o grande espaço ocupado pela dimensão político-institucional no debate energético.

Nesse sentido, as relações entre as esferas pública e privada percorrem toda a cadeia energética. Da concessão de uma licença ambiental para a construção de uma planta de geração à definição de tarifas, passando pela elaboração de políticas de incentivos/penalizações que envolve o executivo e o legislativo, assim como o recurso ao judiciário para a arbitragem de conflitos de natureza legal, as interações entre agentes públicos e privados pululam no universo da energia.

O reconhecimento da legitimidade e, principalmente, da legalidade desse mundo de interações entre o público e o privado constitui a fundação sobre a qual será erigida o aparato institucional que sustentará a operação e a expansão do sistema energético. Em outras palavras, o mundo da energia se sustenta em uma institucionalidade que se legitima a partir da percepção de que um dado conjunto de relações entre agentes públicos e privados é aceitável, legal e legítimo.

Em situações nas quais essa legitimidade é colocada em xeque, a institucionalidade construída a partir dela se fragiliza e, em consequência, o suprimento energético passa a estar em risco.

Uma das leituras possíveis da crise brasileira dá ênfase a dimensão institucional dessa crise, colocando a criminalização das relações público-privado tradicionais do capitalismo brasileiro, operada pelo Consórcio Ministério Público – Mídia, com a condescendência do judiciário, no centro dinâmico gerador da contínua e incontrolável instabilidade por trás do desastre brasileiro.

Se essa interpretação está correta, os horizontes para o setor energético são extremamente preocupantes.

No livro “A Energia do Brasil”, o professor Antonio Dias Leite apresenta a construção do sistema energético brasileiro. No duro processo de superação dos desafios tecnológicos, econômicos, institucionais e políticos envolvidos nessa construção, está implícito um projeto de industrialização do país, que necessita da energia fornecida por esse sistema para a sua realização.

Assim, pode-se afirmar que o sistema energético brasileiro foi construído em resposta às necessidades do processo de industrialização do país. Esse último demandava energia em quantidade e preço condizentes com sua sustentabilidade econômica que, no limite, implicava energia abundante e barata para o setor industrial nascente.

Se, pelo lado da demanda, a disponibilidade farta e a baixo custo desse insumo impulsionava as atividades econômicas intensivas em energia, pelo lado da oferta, a construção de uma cadeia de fornecedores de equipamentos e serviços, com níveis variados de conteúdo local, impulsionava o surgimento de um conjunto de atividades exercidas em distintos graus por agentes econômicos nacionais.

Com diferentes graus de soberania e autossuficiência, esse projeto se desenvolveu ao longo do tempo e de diversos governos. Há um fio condutor que estrutura o desenvolvimento energético brasileiro a partir dos anos 1930s que não se rompe com os militares em 1964, tampouco com os “neoliberais” dos anos 1990s. Independentemente das distintas colorações políticas, o país construiu um sistema energético robusto, capaz de suportar condições extremas de estresse técnico, econômico e institucional sem se desestruturar completamente, mantendo o suprimento energético necessário à atividade econômica e social do país.

Pode-se afirmar que uma parcela significativa do capitalismo brasileiro se desenvolveu em torno do setor energético, tanto pelo lado da demanda quanto pelo lado da oferta.

No centro desse desenvolvimento é possível encontrar uma determinada relação entre as esferas pública e privada que sintetiza a institucionalidade brasileira que suporta a evolução do capitalismo pátrio.

Neste ponto, algumas considerações são importantes. A primeiras delas diz respeito ao necessário reconhecimento de que a relação entre o público e o privado no capitalismo é uma zona cinzenta, cuja tonalidade varia enormemente ao redor do mundo, em função da diversidade econômica, institucional, cultural e política existente entre os países.

Dessa maneira, cada país, a partir das suas especificidades econômica, institucional, cultural e política define os limites no interior dos quais irão evoluir as relações entre o público e o privado .

O que importa aqui é manter o controle sobre as distorções que surgem a partir da relação entre as esferas pública e privada sem ameaçar os interesses nacionais. São esses interesses, definidos no âmbito dos Estados Nacionais, que estabelecem de fato o controle sobre as relações público/privada no capitalismo.

Embora haja, pela sua própria natureza, sempre a possibilidade de criminalizar essa relação, os limites desse processo devem ser sempre analisados com cuidado, na medida em que o avanço nesse processo de criminalização pode colocar em risco a segurança do Estado Nacional. Servindo muitas vezes a interesses externos que ameaçam a soberania e a autodeterminação dos países.

A criminalização indiscriminada da relação público/privado pode ser um poderoso mecanismo de destruição que tem o potencial de implodir as instituições de um país; liquidando suas empresas, suas cadeias produtivas, sua infraestrutura econômica, ou seja, as bases produtivas, econômicas e sociais sobre as quais repousam qualquer projeto autônomo de desenvolvimento.

Na medida em que a lógica que preside o processo é a da destruição, toda a adesão a ele é feita baseada na possibilidade de usá-lo para destruir o competidor, o adversário político, o desafeto, etc.. Dessa maneira, há uma retroalimentação natural que fortalece cada vez mais o mecanismo e amplia exponencialmente o círculo de destruição. Embora cada membro do consórcio destruidor acredita que controla o processo, ao fim e ao cabo, a destruição alcançará a todos, porque esta é a sua lógica definidora. Por isso, a única racionalidade de um processo “insano” como esse só pode ser encontrada nos interesses externos e naqueles que internamente os representam.

Mecanismos como o descrito acima não são fáceis de montar e implementar. A existência de anticorpos institucionais básicos, em geral, são suficientes para deter este tipo de contaminação. São necessárias condições adversas de degradação institucional muito particulares para que uma contaminação como essa ocorra, se alastre e destrua todo o organismo institucional.

A questão que se coloca é se esse tipo de mecanismo foi montado e está operando no país. No caso de uma resposta afirmativa, a desestruturação institucional seguirá adiante e com ela a insegurança e a incerteza irão se ampliar de forma acachapante. Em um contexto como esse o enfrentamento da pesada agenda energética torna-se impossível.

Em suma, a questão colocada para sucessivas gerações de brasileiros que atuaram no setor de energia do país sempre foi a busca da energia do Brasil; contudo, face o desenrolar dos acontecimentos, esta questão está sendo substituída pela pergunta sobre que Brasil é esse para o qual está se buscando uma solução energética. Ou seja, se até ontem buscávamos a energia para o Brasil, hoje o que estamos buscando é o próprio Brasil. Sem responder a essa última pergunta não há como responder a primeira.

Fonte: Infopetro


Deixe uma resposta